Raízes que ensinam: as pesquisas sobre educação do campo e seus ideais

 

A Educação do Campo é a modalidade de educação voltada para a população rural, constituída de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros (Brasil, 2008). Ela também se refere ao paradigma educacional, construído para atender os interesses dos trabalhadores do campo, com desdobramentos no âmbito da pesquisa e ensino, nas mais diversas áreas do conhecimento escolar, dentre elas, a Física.

A Educação do Campo está sendo forjada no Brasil a partir de um processo histórico de luta e protagonismo dos movimentos sociais e dos próprios povos do campo, como uma contraposição à histórica marginalização e ao modelo de educação rural tradicional, que frequentemente não atendia às suas necessidades e especificidades. É uma forma de valorizar a cultura e os saberes dos campesinos e tem como finalidade a sua manutenção no seu território levando em consideração as suas especificidades, buscando transformar a escola em um espaço de emancipação humana. Diferente da educação rural que é a educação urbana oferecida na área rural.

Para isso se faz a proposta da pedagogia da alternância a qual é um processo de aprendizagem que possibilita os alunos vivenciarem momentos na escola, na comunidade e na família. A aquisição do conhecimento se dá de forma construtiva e participativa, envolvendo vários atores: alunos, pais e monitores/professores (QUEIROZ et al, 2006, p. 60).

A nomenclatura Educação do Campo (ou, inicialmente, Educação Básica do Campo) surgiu para ser um contraponto direto ao termo "Educação Rural" ou "Escola Rural". Enquanto a Educação Rural era associada à precariedade, ao descaso do Estado e à simples transposição de modelos urbanos, a Educação do Campo reivindica uma educação pensada no e do campo, vinculada à cultura, aos saberes, à história e à necessidade de um projeto de desenvolvimento sustentável para o meio rural. Portanto, a I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo em 1998 é o evento mais crucial e amplamente reconhecido onde o conceito foi formalmente articulado, debatido e adotado como a bandeira de luta dos movimentos sociais e das instituições parceiras.

    O processo de escolarização é uma parte indissociável da organização social contemporânea, e dada a sua importância para manutenção e/ou transformação social, é uma área que vive sendo disputada pelas forças antagônicas que têm concepções de educação divergentes.  De um lado temos a proposta neoliberal na qual a educação é tratada como um serviço de mercado, onde a qualidade do ensino é mensurada pelo desempenho dos alunos e pelo retorno financeiro para as instituições. Em contraposição temos a Educação do Campo que busca o desenvolvimento integral do ser humano em todas as suas dimensões, física, mental, cultural, política e científica.

    Como uma das frentes para elucidação desta disputa ideológica, religiosa e financeira pela Educação do Campo, temos as pesquisas científicas realizadas nas universidades públicas brasileiras, das quais destacamos as pesquisas realizadas pelas professoras: Dr.ª Arlete Ramos dos Santos e Dr.ª Tatyanne Gomes Marques que são exemplos latentes desses enfrentamentos, reverberando na orientação de 39 dissertações entre os anos de 2018 e 2024.

    Através da educação de fato e de direito é possível romper com a forma de viver ditada pelo capital , pois a escola carrega a possibilidade de auxiliar no processo do crescimento humano para que cada indivíduo tenha as condições necessárias para se tornar um ser humano melhor, quando se garanti uma base de conhecimentos que permita aos sujeitos compreender a vida e as relações sociais (Caldart, 2023).

Os textos, videos e palavras de hojem trazem o trabalho de muitos para a compreensão e luta dos povos campesinos,  esperamos que por meio deste projeto retratar uma fatia vertical de eventos e conflitos tão complexos e abrangentes.



No pequeno povoado de Boa Esperança, cercado por morros verdes e rios que cantavam baixinho ao amanhecer, havia uma escola simples, de janelas abertas e paredes que carregavam o som das risadas e sonhos das crianças do campo.

A Escola Municipal Raio de Sol era mais do que um prédio, era um espaço vivo de troca, saberes e resistência. Ali, os alunos não apenas aprendiam a ler e escrever. Aprendiam também a reconhecer os cheiros da terra molhada, a respeitar o tempo do plantio, e a entender que sabedoria não mora apenas nos livros, mas também nas mãos calejadas dos avós e na memória coletiva da comunidade.

Dona Joana, professora há mais de 30 anos, acreditava que escola do campo não era para “preparar os alunos para saírem do campo”, mas para fortalecer suas raízes, valorizar sua cultura e mostrar que o conhecimento acadêmico pode e deve dialogar com os saberes do território.

Foi então que chegou à escola uma jovem pesquisadora da universidade federal, chamada Ana. Ela queria escrever sua dissertação sobre o papel das escolas rurais na construção da identidade local. Ao chegar, pensou que iria ensinar. Mas foi ela quem mais aprendeu.

Ana se encantou ao ver os projetos desenvolvidos com as crianças: hortas agroecológicas, registros das histórias dos antigos moradores, feiras de trocas de sementes crioulas, e até um jornalzinho escolar feito pelos alunos, chamado “A Voz do Campo”. Ali, cada página mostrava que a escola do campo é um lugar de resistência, de produção de conhecimento, e não de carência.

Durante sua pesquisa, Júlia ouviu depoimentos comoventes. Como o de Tião, um ex-aluno que virou técnico agrícola e voltou para sua comunidade com o sonho de desenvolver tecnologias sustentáveis para pequenos produtores. Ou de Maria, mãe de três alunos, que aprendeu a ler nas oficinas da escola e hoje participa do conselho escolar, ajudando a construir decisões coletivas. Ao final do ano, Ana apresentou sua pesquisa com um título que emocionou todos:

“Raízes que Ensinam: A Escola do Campo como Guardiã da Memória, da Identidade e do Futuro Rural”.

A dissertação de Ana foi publicada e usada como referência em outras universidades. Mas o mais importante é que ela ajudou a mostrar para o mundo que a escola do campo não é um lugar esquecido, mas um espaço essencial para o fortalecimento da educação crítica, contextualizada e transformadora. Esta é a professora Arlete, cuja luta incansável pela escola do campo e cujas importantes pesquisas nos permitiram, hoje, ter todos os dados sobre as escolas do campo ao nosso alcance. Graças a esse trabalho, é possível que todos conheçam essa realidade, o que contribui para dar uma nova cara e um novo tempo à educação do campo por meio das políticas públicas.

 - AOS SENHORES DA TERRA

Ah, senhores que aprisionam nossas terras...

 

Não venham nos dizer quem somos;

Não venham nos ditar os sonhos,

Nem projetar nosso destino.

Já o sabem nossos meninos:

Somente com liberdade há vida.

 

E de nós, dizemos nós mesmos!

 

Os galos e as galinhas já cantam no terreiro;

O cheiro da manhã já se anuncia.

e a cerca ainda avança;

Nossos passos já não param à porteira;

Nosso grito, a bala já não cala;

Nossos corpos, já não cabem mais nas celas;

E nossos braços não repousam cruzados à terra fria;

Porque não nos prestamos a isso!

 

Ah, senhores que aprisionam nossas terras...

 

Não assistiremos passivos

Transformarem nossos campos

Em venenosos pastos;

Não sucumbiremos à vossa gana capitalista;

Resistiremos;

Existiremos;

Construiremos outro campo!

Nessa marcha de homens e mulheres,

Combateremos até a vida.

(Em nossos horizontes não cabe a morte)

Porque nosso motor é a luta;

Nosso lugar é a Terra;

Nosso grito, liberdade!

E nosso sonho,

A nova sociedade!

Paulo Roberto, Maio/2004.

 


Fontes:

BRASIL. Ministério da Educação. Educação do Campo: Marcos Legais. Parecer CNE/CEB No 1 de 02 de fevereiro de 2006. Brasília, DF: SECADI, 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb001_06.pdf Último acesso em 05/10/2025

CALDART, Rosei Salete. Sobre as tarefas educativas da escola e a atualidade. São Paulo: Expressão Popular, 2023

MARQUES, Tatyanne Gomes. Um pé na roça - outro na universidade [manuscrito]: experiências de acesso e permanência de jovens mulheres da roça na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) . Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação.- Belo Horizonte, 2019. 366 f.

QUEIROZ, J. B. P.; SILVA, V. C.; PACHECO, Z.  Pedagogia da alternância: construindo a educação do campo. Goiânia: UCG, 2006. 

SANTOS, Arlete Ramos. Ocupar, resistir e produzir também na educação!”: o MST e a burocracia estatal: negação e consenso. Tese - (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação. Belo Horizonte, MG. 2013. 384 f.

 

Trabalho realizado por: Pedro Henrique Costa Mascarenhas, Geysa Novais Viana Matias, Judson Pereira de Almeida,  Vitor Guilherme Batista 


 


 


 

Comentários

  1. Parabéns ao grupo! Ótimo material para ser um referencial em nossas produções.

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